SILÊNCIO ADMINISTRATIVO E SEU CONCEITO À LUZ DO DIREITO BRASILEIRO

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Investigar a natureza jurídica do silêncio administrativo é se perguntar se as omissões da Administração são fatos ou atos jurídicos.
Pelas mais diversas razões, a doutrina pátria, em geral, identifica o silêncio administrativo como um fato jurídico-administrativo, influenciada, sobretudo, por uma perspectiva pragmática do ato jurídico, como se depreende das diversas definições de silêncio administrativo por célebres juristas brasileiros, tais como:
  • Helly Lopes Meirelles:
“O silêncio não é ato administrativo; é conduta omissiva da Administração que, quando ofende direito individual ou coletivo dos administrados ou de seus servidores, sujeita-se a correção judicial e a reparação decorrente de sua inércia” [2]
  • Celso Antonio Bandeira de Mello:
“Na verdade, o silêncio não é ato jurídico. Por isto, evidentemente, não pode ser ato administrativo. Este é uma declaração jurídica. Quem se absteve de declarar, pois, silenciou, não declarou nada e por isto não praticou ato algum. Tal omissão é ‘fato jurídico’ e, in casu, um ‘fato jurídico administrativo’. […]”
“Não há ato sem extroversão. Por isto mesmo, ainda que a Administração houvesse, de antemão, contado com o efeito legal previsto - e por tal motivo se omitido -, de qualquer forma o efeito que surgirá é consequência normativamente irrigada ao fato da omissão, não havendo como filiá-la a uma inexistente extroversão administrativa, a uma declaração jurídica que não houve por parte dos agentes públicos que deveriam tê-la proferido.” [3]
  • André Saddy:
“Entende-se que quem silencia, nada diz, nada enuncia, nada manifesta, não declara. Daí porque não se tem um ato administrativo e sim um fato”. [4]
Como se percebe, a parte da doutrina que considera o silêncio administrativo um fato jurídico se apega à definição clássica de ato administrativo como ato exteriorizador da vontade da Administração: como do silêncio não se poderia extrair as intenções comunicativas do Poder Público, não haveria como entendê-lo como ato. [5]
Com efeito, seguindo esse pensamento, da ausência de manifestação não se poderia extrair qualquer conclusão implícita do que seja a vontade animadora da omissão, o que impede que alguns doutrinadores, como o professor Celso Antonio Bandeira de Mello, admitam a possibilidade de a previsão legal dos efeitos do silêncio suprir a lacuna volitiva, tratando essa previsão como mera imputação legal e não como uma tradução jurídica do não-dizer administrativo.
Por outro lado, alguns autores atribuem ao silêncio administrativo a natureza de ato administrativo quando suas consequências jurídicas estão estipuladas na legislação ou quando a norma estabelece prazo para a manifestação da Administração.
Sobre esse posicionamento é essencial a contribuição de Neyde Falco Pires Corrêa, que em artigo especializado ensina que:
“a conduta da Administração referente a um fato cuja previsão abstrata se encontre em prescrição normativa e que gere efeitos jurídicos, será um ato administrativo, quer seja através de uma ação ou de uma omissão”. [6]
Outrossim, há de ser lembrada o pensamento de Marça Justen Filho:
“Existem situações em que o direito determina que a Administração Pública deverá manifestar-se obrigatoriamente e, desde logo, qualifica o silêncio como manifestação de vontade em determinado sentido. Nesses casos, a situação fática é bastante simples. O silêncio configurará um ato administrativo, por assim está determinado pelo direito." [7]
Há, também, o entendimento de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello que, assumindo que o ato administrativo é a manifestação da vontade da Administração, conclui que o silêncio poderá ser ato administrativo caso a Administração esteja ciente das consequências de sua omissão e que essas consequências sejam queridas pelo agente público, bastando para aferir essa “vontade" o análise do conteúdo da lei, mesmo que o texto legal não seja explícito quanto aos significados jurídicos da omissão. [8]
É interessante destacar que esse entendimento subverte um dos elementos do ato administrativos consagrado pela doutrina pátria: a forma, que, na visão do silêncio administrativo como ato, passa a ser despicienda para a própria formalização dos atos administrativos, desde que a Lei não preveja forma específica.
De fato, como a definição de ato maioritariamente admitida no Brasil pressupõe a forma, [9] é difícil imaginar que os estudos sobre o tema produzidos no país tenham viés divergente, o que faz com que os exemplos contrários de que tomamos influência sejam exceções dentro do espectro de posições doutrinárias de estudiosos brasileiros.
Não obstante, alguns doutrinadores estrangeiros nos fornecem bons exemplos de concepções variadas acerca da matéria.
É o caso de Pietro Viga, doutrinador italiano que considera o silêncio um ato administrativo desde que a lei a ele atribua efeitos jurídicos (negativos ou positivos) e que se constate, nas circunstâncias em que ocorre a omissão, os significados de um ato perfeito.
Também o direito espanhol, conforme noticiado por Eduardo Garcia de Enterría y Martinez-Carande e Tomás-Ramón Fernandez no Curso de derecho administrativo, traz uma percepção peculiar segundo a qual a natureza do silêncio administrativo varia conforme seu efeito jurídico.
Assim, entendem os autores que o silêncio negativo (ou silêncio denegatório) não se constitui um ato porquanto não existiria vontade a sustentar a omissão que funcionaria tão somente como ficção legal cujos efeitos se restringem ao âmbito processual ao viabilizar a interposição de recurso administrativo.
Por outro lado, o silêncio positivo equivaleria a uma aprovação ou autorização pleiteada pelo administrado que substitui o ato administrativo correspondente, já que, nos dizeres dos autores espanhóis, o silêncio positivo “é simplesmente uma técnica material de intervenção policial ou de tutela, que vem tornar mais suave a exigência de obter para uma determinada atividade uma autorização ou aprovação pela de um veto suscetível de exercitar-se durante um prazo limitado, passado o qual o pedido pelo requerente se entende outorgado”, [11]
Esse também é o entendimento do doutrinador argentino Augustín Gordillo, que, reconhecendo a resistência da Administração em editar normas que garantam ao administrado efeitos positivos diante de sua não-ação, admite que, nessas raras ocasiões, o silêncio administrativo tem valor de ato:
“Por excepción, cuando el orden jurídico expressamente dispone que ante el silencio del órgano, transcurrido cierto plazo, se considerará que la petición ha sido aceptada, el silencio vale como um acto administrativo”. [12]
Explica o administrativista portenho que não se poderia aceitar que o silêncio com efeitos negativos tivesse valor de ato administrativo porque isso seria o mesmo que aquiescer com a existência de um ato sem fundamentação nem motivação e que é, ainda, desfavorável ao administrado, o que não lhe parece razoável.
Além desses exemplos, os debates de doutrinadores portugueses nos trazem importantes reflexões.
André Gonçalves Pereira,[13] lembra que o direito português chama de actos tácitos os casos de omissão administrativa. Segundo o autor, há dois tipos de atos tácitos: o (i) interno, que ocorre se um órgão não exerce o controle sobre outro quando assim deveria fazer; e o (ii) externo, estabelecido na relação com os particulares quando a Administração é por eles provocada e, mesmo sendo obrigada pela lei a responder em dado período de tempo, se mantém omissa.
Pereira, no entanto, entende que, independentemente do efeito que a norma atribua ao silêncio, a omissão não pode ser considerada ato administrativo, razão pela qual o doutrinador português confronta a acurácia do própria nomenclatura do fenômeno.
Contrariamente, outro administrativista lusitano, Marcelo Caetano, entende que o silêncio pode ser considerado ato, desde que satisfaça três condições:
  1.  que o órgão administrativo seja citado a pronunciar-se num caso concreto;
  2.  que esse órgão tenha o dever legal de resolver em certo prazo o caso apresentado, mediante a prática do ato definitivo, o que quer dizer que o poder de decidir deve estar vinculado à oportunidade de exercício;
  3.  que a lei atribua à abstenção de resolução dentro do prazo legal um significado determinado. [14]
Certo é que existem elementos lógicos e jurídicos para que o silêncio seja considerado ato ou fato administrativo. Conforme visto alhures, grande parte da doutrina pátria tem dificuldades em admitir que o silêncio poderá ser tratado como ato administrativo porque não deveria haver ato sem exteriorização, sem declaração.
Isso porque, de acordo com a doutrina clássica do ato administrativo, “toda vontade administrativa é necessariamente exteriorizada; é uma precaução elementar para distinguir, no agente, as vontades que ele exprime em nome da administração daquelas que ele poderia ter por sua conta; as vontades administrativas devem ser formuladas exteriormente pelo agente, no exercício de suas funções.” 
O passar dos anos sofisticou o entendimento doutrinário, mas não desligou o conceito de ato administrativo da ideia de declaração, como mostra a definição de Celso Antonio Bandeira de Mello:
“Atos jurídicos são declarações, vale dizer, são enunciados; são ‘falas' prescritivas. O ato jurídico é um pronúncia sobre certa coisa ou situação, dizendo como ela deverá ser.” [16]
É certo que a exigência de exteriorização do ato administrativo cumpre com uma das funções mais importantes do ato formal: a comunicação aos administrados dos motivos que determinaram a decisão administrativa, o que, a priori, protege os particulares de eventuais desmandos do Estado.
Nessa esteira, é de se cogitar se a ordem jurídica hodierna permite que atos da Administração Pública possam se perfectibilizar sem manifestação exterior e, principalmente, se, no caso do silêncio administrativo, a exigência de exteriorização realmente cumpre o dever de resguardar o administrado.
Para responder a esses questionamentos é, novamente, valiosa a contribuição de André Gonçalves Pereira para quem a teoria do ato administrativo exerce a função política de estabelecer para o administrado um sistema de garantias de respeito ao princípio da legalidade por parte da Administração. [17]
Assim, a construção teórica sobre o ato administrativo só cumpre sua função se conseguir estabelecer um arcabouço prático de prerrogativas que resguarde o administrado das eventuais ilegalidades cometidas pelo Poder Público.
Esse pensamento, aliado à noção de que ato pressupõe existência de vontade e de que a resposta da Administração é direito fundamental dos cidadãos, nos leva a crer que as leis e normas que prevêem as consequências jurídicas da omissão podem, sim, definir se o silêncio possui feições de ato ou não.
Assim, parece mais consentâneo aos parâmetros da proteção das garantias fundamentais admitir que, caso a lei ou a própria Constituição Federal estipule as consequências do silêncio ou o prazo para que a Administração esteja legalmente em mora com o administrado, faz sentido entender que o Executivo emana decisão, influi na ordem jurídica privada e, portanto, pratica ato jurídico-administrativo, quer isso signifique a fruição de direitos ou sua negação.
Conclui-se, então, que o cerne do problema jurídico do silêncio administrativo está no valor ético subjacente à própria teoria do ato administrativo e que, portanto, não há como imaginar que a Administração estará isenta de suas obrigações legais acaso se mantenha omissa.
Por isso, parece razoável aceitar que a definição das consequências do silêncio pela Lei concede à não-ação da Administração a qualidade de omissão volitiva, “porquanto ciente está a autoridade pública, segundo o preceito legal, do alcance que trará esse seu comportamento, isto é a sua inação”. 
Dessa forma, considera-se o silêncio da Administração um ato administrativo toda vez que as consequências jurídicas dessa omissão possam ser extraídas dos textos da Constituição Federal, de leis e normas regulamentares.
Fonte: https://jus.com.br/artigos/31232/silencio-administrativo-no-brasil

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